quarta-feira, 29 de maio de 2013

A Mulher Nua - A Xícara, a Colherinha e o Café (repostagem)


Redemoinhos. Talvez fosse um exagero definir assim os efeitos da colherinha na xícara de café. O líquido rodava, anyway. A espuma cor de creme se desfazendo a cada volta tornado-se café de novo. Tinha mania de observar coisas irrelevantes  - como a espuma, o café e a colherinha - e tentar tirar dali alguma grande ideia ou revelação. Ou por não haver nada mais interessante do que o irrelevante. Geralmente era assim. As vozes na praça de alimentação eram tantas e tão iguais que lembravam o templo budista onde "comemorou a vida" de seu pai um ano após sua partida. O oposto. O som do shopping era ácido, irritadiço. Uníssono, como o do templo, mas absoluta e definitivamente distinto deste. Mais do que o contrário um do outro. 
Enquanto o templo lhe trazia uma noite de verão de calmaria praiana e briza,  a perfeita conjunção de vozes formavam o "oooommmm" pacificador, calmante; os uníssonos da praça de alimentação eram afiados, desiguais, misturados, distintos e o som... o som era impronunciável. Uma tentativa forçada talvez trouxesse uma série de "aaaaaaaaasssaaaooiioaaaaa". Um grande "asssaioiiiaaa" que não significava nada. Até o bater de pratos, copos e talheres eram suprimidos por aquele som alto, irritante, frenético, apressado.

A xícara, o café e a colherinha deixavam de ser irrelevantes nesse cenário. Eram quase  salvação para a péssima escolha - ou falta dela - de estar na praça de alimentação de um dos shoppings mais movimentados da cidade mais movimentada do país para pensar no que tinha acabado de acontecer.
Lembrou de Leonardo: "as ruas tinham que ter caixas de som espalhadas em todos os postes! a vida tinha que ter trilha sonora!". Sorriu com ternura, discretamente, de sí para sí e para Leo e suas idéias e entusiasmo para transformar o mundo.

Tomar café sozinha num lugar daqueles...  Geralmente quando se decide ficar sozinho para pensar, o cenário é outro. Nos filmes e livros é outro. Neles funciona. Pelo menos nos filmes. Há Paris, Nova Iorque, uma grande janela fechada para a neve enquanto se balança a xícara com o líquido quente mirando a paisagem branca e gelada do lado de fora. Nos filmes alemães, pode-se sentar na sacada de casa, com toucas e luvas feitas à mão. E cachecóis. E polainas. Os sons dos carros são outros. Os pneus na neve fazem outro barulho e há as árvores que mudam o som ambiente.
Um golinho no café e já estava de volta ao shopping. Lá não fazia frio, nem calor. A temperatura era sempre "agradável". Se estava frio, no shopping era confortável. Se era calor o que sentiam os frequentadores do lado de fora, dentro era um alívio.
O dedo indicador tocou o biscoitinho ao lado do café. O preço do café teria a ver com o biscoitinho? Não... o condomínio, aluguel... Outra coisa que nunca imaginou que iria compreender: o outro lado. O lado de quem faz. Quem paga, quem emprega. Dane-se.
Não queria o biscoitinho. Não queria que o café acabasse. Queria sair dali. Pior não saber pra onde ir. Pior ver tanta gente aparentemente sem problemas, ou com os mesmos problemas, tanta gente e ninguém.
Shopping é o lugar com mais habitantes por metro quadrado ideal para se sentir só.
Pensou em ligar o celular, ver as últimas postagens, curtir algumas coisas. Mas aquilo, naquelas circunstâncias, lhe parecia o próprio shopping. Gente suficiente para sentir solidão quando não vai rolar a festa. Rede de relacionamentos sem relação com os sentimentos ou verdade. Nossa... que chatice. Mais um gole no café e pronto, a Rede de relacionamentos voltava a ser uma prática agradável. Claro que amigos só inbox ou pelo bom e velho e-mail... Alguém podia inventar o que falta: carinho na tecnologia.
Desistiu do celular na primeira frase de incentivo e lição de moral que viu compartilhada em seu mural. Se todos realmente seguissem o que espalham, talvez ela não tivesse que decidir ali, daquela forma, algo tão importante. Certamente, se Leonardo ainda houvesse, trocariam mensagens o tempo todo. Ouvi que saudade é atestado de que se viveu coisas boas. Acho que é mesmo.
O último gole. Uma xícara pequena para tantas intensões. Ao baixar a xícara vazia para o pires, olhou o biscoitinho. "aaaaiioooonaaaaaaaaioooaaaa". Já o estava mastigando enquanto caminhava de volta para o estacionamento. Nada como uma boa xícara de café num péssimo lugar para trazê-la de volta à realidade simplória e remodelar os problemas para os seus devidos tamanhos. Pelo menos por enquanto não havia mais nada para decidir.


25.08.2011

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