Redemoinhos. Talvez
fosse um exagero definir assim os efeitos da colherinha na xícara de café. O
líquido rodava, anyway. A
espuma cor de creme se desfazendo a cada volta tornado-se café de novo. Tinha
mania de observar coisas irrelevantes - como a espuma, o café e a
colherinha - e tentar tirar dali alguma grande ideia ou revelação. Ou por não
haver nada mais interessante do que o irrelevante. Geralmente era assim. As
vozes na praça de alimentação eram tantas e tão iguais que lembravam o templo
budista onde "comemorou a vida" de seu pai um ano após sua partida. O
oposto. O som do shopping era ácido, irritadiço. Uníssono, como o do templo,
mas absoluta e definitivamente distinto deste. Mais do que o contrário um do
outro.
Enquanto o templo lhe trazia uma noite de verão de calmaria praiana e
briza, a perfeita conjunção de vozes formavam o "oooommmm"
pacificador, calmante; os uníssonos da praça de alimentação eram afiados,
desiguais, misturados, distintos e o som... o som era impronunciável. Uma
tentativa forçada talvez trouxesse uma série de
"aaaaaaaaasssaaaooiioaaaaa". Um grande "asssaioiiiaaa" que
não significava nada. Até o bater de pratos, copos e talheres eram suprimidos
por aquele som alto, irritante, frenético, apressado.
A xícara, o café e a
colherinha deixavam de ser irrelevantes nesse cenário. Eram quase
salvação para a péssima escolha - ou falta dela - de estar na praça de
alimentação de um dos shoppings mais movimentados da cidade mais movimentada do
país para pensar no que tinha acabado de acontecer.
Lembrou de Leonardo:
"as ruas tinham que ter caixas de som espalhadas em todos os postes! a
vida tinha que ter trilha sonora!". Sorriu com ternura, discretamente, de
sí para sí e para Leo e suas idéias e entusiasmo para transformar o mundo.
Tomar café sozinha
num lugar daqueles... Geralmente quando se decide ficar sozinho para
pensar, o cenário é outro. Nos filmes e livros é outro. Neles funciona. Pelo
menos nos filmes. Há Paris, Nova Iorque, uma grande janela fechada para a neve
enquanto se balança a xícara com o líquido quente mirando a paisagem branca e
gelada do lado de fora. Nos filmes alemães, pode-se sentar na sacada de casa,
com toucas e luvas feitas à mão. E cachecóis. E polainas. Os sons dos carros
são outros. Os pneus na neve fazem outro barulho e há as árvores que mudam o
som ambiente.
Um golinho no café e
já estava de volta ao shopping. Lá não fazia frio, nem calor. A temperatura era
sempre "agradável". Se estava frio, no shopping era confortável. Se
era calor o que sentiam os frequentadores do lado de fora, dentro era um
alívio.
O dedo indicador
tocou o biscoitinho ao lado do café. O preço do café teria a ver com o
biscoitinho? Não... o condomínio, aluguel... Outra coisa que nunca imaginou que
iria compreender: o outro lado. O lado de quem faz. Quem paga, quem emprega.
Dane-se.
Não queria o
biscoitinho. Não queria que o café acabasse. Queria sair dali. Pior não saber
pra onde ir. Pior ver tanta gente aparentemente sem problemas, ou com os mesmos
problemas, tanta gente e ninguém.
Shopping é o lugar
com mais habitantes por metro quadrado ideal para se sentir só.
Pensou em ligar o
celular, ver as últimas postagens, curtir algumas coisas. Mas aquilo, naquelas
circunstâncias, lhe parecia o próprio shopping. Gente suficiente para sentir
solidão quando não vai rolar a festa. Rede de relacionamentos sem relação com
os sentimentos ou verdade. Nossa... que chatice. Mais um gole no café e pronto,
a Rede de relacionamentos voltava a ser uma prática agradável. Claro que amigos
só inbox ou pelo bom e velho e-mail... Alguém podia inventar o que falta:
carinho na tecnologia.
Desistiu do celular
na primeira frase de incentivo e lição de moral que viu compartilhada em seu
mural. Se todos realmente seguissem o que espalham, talvez ela não tivesse que
decidir ali, daquela forma, algo tão importante. Certamente, se Leonardo ainda
houvesse, trocariam mensagens o tempo todo. Ouvi que saudade é atestado de que
se viveu coisas boas. Acho que é mesmo.
O último gole. Uma
xícara pequena para tantas intensões. Ao baixar a xícara vazia para o pires,
olhou o biscoitinho. "aaaaiioooonaaaaaaaaioooaaaa". Já o estava
mastigando enquanto caminhava de volta para o estacionamento. Nada como uma boa
xícara de café num péssimo lugar para trazê-la de volta à realidade simplória e
remodelar os problemas para os seus devidos tamanhos. Pelo menos por enquanto
não havia mais nada para decidir.
25.08.2011
0 comentários:
Postar um comentário