sábado, 24 de setembro de 2011

DANÇAR, DANÇAR, DANÇAR...!


Meu melhor parceiro de dança de quase meio século de vida foi e sempre será Neto, o Elias,  meu irmão mais velho. O cara simplesmente encaixa você entre os braços e sai rodopiando por aí... vira, desvira, envolve, dois pra lá, dois - depois três! - pra cá... que delícia.
Bastava tocar uma música dançante para nos derramarmos nos braços um do outro, e como éramos irmãos, não havia constrangimento nem vergonha, íamos fundo. A cada passo certo, ríamos um pro outro, vitoriosos. Dançávamos rindo. Uma injeção de bom humor imediato!
E essa música do Luiz Melodia com a Zezé Motta me leva direto pros seus braços, meu irmão. Me lembra a gente dançando junto, rindo, rodando por aí.
Ta faltando festa pra gente cair na dança, nénão, Elias? Vamos marcar uma big band  dia desses? Levamos nossos parceiros e os deixamos lá, sentados nos admirando, que tal?
E pra você matar a saudade: Dores de Amores, com Luiz Melodia e Zezé Motta!
Baccio!


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

SOBRE


Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito 
debaixo do céu: Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de abraçar e tempo de afastar-se;
 tempo de amor e tempo de aborrecer; 
tempo de guerra e tempo de paz
(Eclesiastes)

domingo, 18 de setembro de 2011

LEONARDO, MEU AMOR.

Leonardo tinha quase 30 anos quando morreu em consequência de complicações causadas pela AIDS no século passado, década de 90. Quando descobri, uns 4 ou 5 anos depois, fiquei em choque, entrei em luto imediato: um dos meus amores profundos e eternos havia partido. Ainda me lembro da expressão constrangida de quem me contou num encontro casual entre amigos da mesma geração: "não sei direito, parece que tinha AIDS, mas não sei, não tenho certeza".

Leo era lindo. De fato lindo. Cabelos escuros, pele alva, boca carnuda e olhos verdes, cílios enormes.
Nos conhecemos em 75 ou 76, éramos adolescentes dos anos 70. Ele tinha 13, eu 14 e meus pais, que ainda cultivavam os costumes de quem migrara do interior de São Paulo, frequentavam a igreja aos domingos. Um dia minha mãe trouxe um convite: "Carminha! O Calvário vai fazer encontro de adolescentes com Cristo e eu inscrevi você!". Não gostei. Até ser convencida de que eu não tinha nada a perder. Como as inscrições bombaram, fui devidamente matriculada para o 2o.  Encontro de Adolescentes com Cristo da Igreja do Calvário.
Talvez por não esperar grande coisa, fui tomada por algumas emoções interessantes  para uma adolescente: chorei, cantei, vibrei, dei muita risada, fiz muitos amigos. Aos sábados, todos se encontravam nas salas da secretaria da Igreja para ouvir, dar e cabular palestras. Cabulávamos muito. O importante era nos encontrarmos, não perdermos a magia daqueles dias, devidamente respaldada por casais respeitados na comunidade e que não faziam idéia do que se passava dentro da gente.

Quando pousei os olhos em Leonardo, foi amor, empatia, sentido... tudo à primeira vista e nos tornamos amigos-mais-que-irmãos. Formar apêndices familiares era tudo na década de 70. Vivíamos abraçados, de mãos dadas, deitados um no colo do outro e ríamos, ríamos muito. Leo era um garoto bastante culto. Lembro que íamos em turma para Caraguatatuba na casa dos pais dele e enquanto eu me esbaldava no sal e na areia, ele lia uma Veja inteira sob o guarda-sol.

Leo foi o meu amigo, meu namorado, meu irmão. Namoramos porque morríamos de saudade um do outro, e os abraços já não eram suficientes. O namoro sim, foi suficiente para descobrirmos que enquanto namorados éramos ótimos amigos. Terminamos o namoro e nossa amizade ficou ainda mais forte.

Os anos 70 fervilhavam. Atavés da Comunidade da Igreja do Calvário, Leonardo e seu irmão Leandro, foram com a pastoral da terra para Iacanga. Voltaram engajados, políticos, com outra visão de mundo.
Iacanga foi arrebatadora para Leandro. Para Leo, foi como se ele já esperasse essa realidade.

O fato é que aos 15-16 anos, Leonardo, após Iacanga,  convencido de sua brevidade, queria experimentar, viver o que tinha direito, sorver a vida. E partilhar suas descobertas. Nossas conversas madrugada adentro eram fantásticas.
Logo em seguida, Leo entrou na faculdade. USP de Sorocaba, se não me engano, em agronomia. A primeira vez morando sozinho, livre e aberto para o que tanto queria experimentar.E me contava tudo:  "hoje teve uma festa no D.A.... foi uma loucura!"; "Conheci uma menina muito doida, acho que vou namorar com ela". "Desisto, meninas são muito complicadas". Cartas, telefonemas e, claro, abraços beijos e carinhos quando vinha para São Paulo. Foi Leonardo que me ensinou que a cana de açúcar é um veneno para o solo, e foi o primeiro a me chamar de "fiel da balança" da minha família: "Você já percebeu que quando está feliz todos ficam felizes na sua casa? E quando você tá de TPM aquilo fica um inferno?". Risadas maléficas, como se tivéssemos o poder de controlar pessoas, e ficávamos imaginando como seria... E como seria se a vida fosse embalada por trilha sonora, como num filme? Naquele tempo nem walkman era comum.
Nos amávamos, fato. Leo foi o primeiro a me mostrar o amor como amor, não o esperado cheio de regrinhas, mas o amor por sí. O amor que quer ver o outro feliz, o amor confidente, o amor e só.

Eu contava de meus "affairs", ele dos seus. Mais alguns anos se passaram, Leo desistiu de Agronomia e entrou em Filosofia. Lembro como se fosse hoje, agorinha há pouco, quando me telefonou e disse que havia se descoberto Gay e queria me apresentar seu namorado. "Gay, Leo?! Você tem certeza?", "Claro que não!" - gargalhava ele. "Mas to namorando e quero que você conheça". Nos encontramos na Av. Paulista com a Augusta. Eu e Leo chegamos antes, o namorado depois. Se abraçaram, se beijaram e eu não sabia para onde virar meus olhos arregalados. Queria parecer normal, adulta, mas não consegui por muito tempo. "Chocada? Isso logo passa". Claro que passaria, Leonardo estava ao meu lado.
O namorado de Leo era ator, e fazia shows numa casa noturna famosa. "Vou levar você pra ver o show!", "Quem, eu?! Lá?!", "Vai perder a chance de conhecer um lugar novo? Juro que não solto você". E assim foi. Numa noite, fomos ver o show e ele ficou grudado em mim, me protegendo dos meus pensamentos. O lugar era bárbaro, alegre, cheio de figuras interessantes. Foi a minha Disneylândia. Leo ria de mim e pra mim.

Não me lembro quando e nem porque deixamos de nos falar com frequência. Acho que nos distanciamos porque tinha que ser assim. Continuávamos nos amando, mas não partilhávamos mais as descobertas. Novos amigos chegaram, novas experiências, novos nichos, as Faculdades, as turmas... Não importava porque sabíamos que quando nos víssemos seria uma alegria, um "como se fosse ontem", uma celebração de amizade.
Não vivemos esse momento.
Fui com minha mãe numa missa na Igreja do Calvário. Encontrei vários amigos daquela época que continuam até hoje na comunidade, agora como "Tios". E foi outra querida amiga que me contou: "O Leonardo...". Já em casa, chocada, perdida e com a sensação de injustiça tomando conta de mim, chorei. Meu marido me deu colo. E nele chorei muito.
Leo, com sua partida, foi o primeiro a levar um pedaço de minha história com ele e um pedaço bom: o otimisto, a alegria, a franqueza acima de tudo, a verdade que ainda moram em mim. Procurei ser tão inteligente como ele, tão franca e ética quanto otimista.

Devo a Leonardo muito do que sou hoje, do que percebo e vejo. Sinto sua falta, sinto, principalmente, não ter tido a oportunidade de dizer tudo isso antes de sua partida. Mas, eu acho que ele já sabia e ainda sabe, vivendo de rir:
"Mi... quando é que você vai deixar de ser tão tonta?!"