domingo, 11 de agosto de 2013

They Shoot Horses, Don't they?

Um dos filmes mais marcantes sobre o fundo do poço, política e depressão

Imaginantes imagéticos  como eu que assistiam aos faroestes e clássicos da sessão da tarde nos anos 70 e 80, viram muitos mocinhos sacarem seu revólver do coldre, apontar para seu parceiro preferido - o cavalo - deitado no chão, ferido, e com olhar quase impossível de compaixão e afeto para um verdadeiro cowboy, puxar o gatilho. O amigão, ferido, com a pata ou perna quebrada, não se recuperaria. Um cavalo deve ficar em pé. Morreria sofrendo, com dores e aos poucos. Chocados, víamos a fumaça sair da arma após o disparo. Não víamos o animal ser atingido e nenhum ruído vindo do "lado de baixo da tela", quando se dava a eutanásia para que o animal não morresse sofrendo. Apenas o rosto da mocinha virando de lado. E de alguma criança eventualmente presente para acabar de vez com a inocência.

They Shoot Horses... Eles matam cavalos. Quem são "eles"?  A pergunta de todos os tempos e que em tempo nenhum se responde. A pergunta que quer calar, que tem e não tem resposta, especulação filosófica que continua viva. Pois, nesse delay que vivemos em relação à america de cima, eles ainda são os mesmos e vivem como seus pais. Eles e sua política ultrapassada pré-democratização da mídia ninja, calculam quais e quantas baixas deverão sofrer pelas batalhas conspiratórias e arrogantes na política. Eles escolhem quem vive e quem morre, quem come e quem passa fome, quem sonha e quem desiste. Eles são grandes e pequenos, poucos e muitos.

O filme de Sidney Pollack, They Shoot Horses, Don't Day?, que no Brasil ganhou o digestivo nove de "A Noite dos Desesperados" é mais um fruto soberbo da árvore dos anos 60 e 70. Soberbo. Em plena depressão dos anos 30, os Estados Unidos da América, assistiu à suicídios de milionários que perderam tudo, pulando da janela de seus escritórios em Wall Street, e ao desespero de mortais que deveriam ser o sustentáculo da sociedade no mundo das oportunidades, na terra dos sonhos. Mortais que sofreram o mesmo baque que os milionários, perdendo o que as mantinha de pé: não apenas o dinheiro, mas sonhos e objetivos. They Shoot Horses, Don't They? É um drama psicológico que merece ser estudado bem de perto. As semelhanças com a história da humanidade, as sutilezas ao apresentar as questões, o escracho ao mostrar a crueldade de iguais.
Jane Fonda e Michael Sarrazin, casal número...?

Desempregados, desalojados, famintos. O grande sem vergonha Charles Bukowsky viveu a infância da depressão. Seus livros, escritos na marginalidade, conservados em álcool barato e cigarros sem filtro e cuidado por putas mostram muito bem o que foi a depressão dos anos 30 na América do Norte. E mais uma vez a indústria da diversão e entretenimento se vale da desgraça alheia para promover grandes espetáculos, o grande circo.

No filme, para conseguir um pouco de comida, alojamento, banho e a fortuna de mil e quinhetntos dólares, os desesperados do título têm que vencer uma maratona de dança, onde o último casal que conseguir permanecer em pé - e dançando (sim, há requintes de crueldade quando em certa altura todos estão esgotados e são obrigados à superação física), vence o grande prêmio. Fiscais bem trajados, alimentados e descansados, circulando entre os participantes acusavam e retiravam da pista casais a qualquer sinal de quebra das regras. Dormir nos braços do parceiro, era uma.

As ações se passam no alojamento e na pista de dança. Nos alojamentos, o alívio de cinco ou dez minutos intercalados para que os concorrentes fizessem suas necessidades, lavassem o rosto, fumassem um cigarro, cochilassem. 

Além da dança, os organizadores também promoviam corridas em volta da arena  (gladiadores?  pão? circo? sede de sangue alheio? curiosidade mórbida pela vida do outro?), e quem chegasse depois depois de determinada posição, também estaria desclassificado. Uma noite desesperada, realmente, desesperada.
Gig Young, o cruel e manipulador Rocky

Entre a ação principal - a maratona de dança - vamos conhecendo alguns personagens e todos  merecem ganhar. E ganhar é sinônimo de viver com decência, recuperar a sanidade, voltar a sonhar. Um casal recém-casado, ela grávida, com um barrigão enorme, submetendo-se à todo o tipo de desgaste e desajuste, lutando pela sobrevivência. Um velho-moço marinheiro, animado, feliz, dizendo à todos que ganharia, que nunca se sentiu tão bem em toda a sua vida; uma aspirante à atriz, vaidosa, e o premiado Gig Young, o cruel organizador do evento, imperador da vida e da morte. Se não me engano, ganhador do Oscar de melhor ator coadjuvante de 1970. Quando o Oscar tinha importância política e social. E também concorreu e deve ter levado, me ajudem e pesquisem, Bafta, Globo de Ouro e outros prêmios de prestígio. Jane Fonda concorreu às estatuetas todas, como melhor atriz. Ao todo, só ao Oscar, "A Noite dos Desesperados" teve 9 indicações.
Entre Michael e Jane, o agonizante Red Buttons, o Marinheiro (Sailor)

Como destruir seres humanos sem fazer força, aproveitando a condição de fragilidade em que se encontram, usando do poder, do pequeno poder que se torna enorme diante da história de cada um. Assistimos no decorrer do filme a desconstrução de cada um, da unha quebrada da depressiva Gloria Beauty (Jane Fonda), à falta de descolorante para cabelos da aspirante à atriz. 


Aos poucos a "arena" vai se transformando num amontoado de corpos se arrastando como zumbis gerando notícias espetaculares para jornais e um grande espetáculo para o público que pagou para ver, assistir de camarote a miséria humana. Alguém já falou de gladiaores e arenas e leões e imperadores e....?



Da falta de descolorante para os cabelos da aspirante à atriz, para o grito de Jane Fonda sem poder desistir, carregando um homem morto nas costas durante umas das "brincadeiras" da maratona. 


 O título leva ao final surpreendente para quem lutou tanto até aquele momento. "Eles matam cavalos, não matam?", um pedido de piedade de quem tinha sido levado ao extremo da humilhação, depois de um grande choque social.
Engraçado que de uma maneira ou de outra, é um pedido de piedade que ainda fazemos, sem sucesso: tende piedade de mim. Tende piedade de nós.

THEY SHOOT HORSES, DON'T THEY? - A Noite dos Desesperados
Gênero: Drama
Duração: 120 minutos
Ano de Lançamento: 1969
Direção: Sidney Pollack

Imagem e Outros Impedimentos


Testes de sobrevivência o final do século 20 e este início de 21 já nos serviram bem. As guerras do século passado, os horrores que a humanidade não esquece, mas repete, deveriam ter nos ensinado alguma coisa. A sensação de que tudo continua tal e qual,mas com roupagem determinada pela época vigente, encrudesce e vira realidade a cada dia.

Vivemos o horror do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial. O horror das bombas atômicas no mesmo evento. No entanto, a política do poder remete e comete os mesmos erros. Quantos genocídios de inocentes e povos inteiros já vimos depois de 1946? As minas na África, o terrorismo, o preconceito entre os iguais. Ruins ficam bons juntos quando têm que brigar contra outros considerados ruins. Depois separam-se e brigam entre sí. Conchavos políticos, apertos de mão... Isso é núcleo podre dessa ogiva espetaculosa e midiática que é a história da humanidade. Queridos, o mundo fica. Quem vai, somos nós. Matando-nos uns aos outros, deixando cada vez mais de lado valores que poderiam concertar a cegueira que nos impede de aprender com o passado.

Os mesmos erros cometidos. A mesma e infindável luta pela sobrevivência. O consolo pelo desconsolo dos outros. Que coisa, heim?

Não dá pra entender. Só lamentar. Mais uma geração vai sair da forma ou crua, ou passada do ponto.

Viva Cacilda Becker.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Gay, Filho de Lavradores, Professor do Ensino Médio, Escritor. Salva Vidas de adolescentes que sofrem bullyng;

Aharom Avelino bem de perto. Conheço, sim.
Filho de pais lavradores e analfabetos, Aharom viveu na roça e nasceu assim. Ávido, corajoso, brilhante.
Aos sete anos venceu um concurso na escola rural imitando Gretchen no Melô do Piripipi. Na saída, teve os dedos da mão quebrados por coleguinhas de classe numa longa e dolorosa surra.


Noutro dia, quase afogado no vaso sanitário; mais surras e palavras de baixo calão que Aharom não compreendia. O mundo estava ok para ele, estava tudo certo. Não entendia a agressividade cada dia mais intensa, machucando ao ponto de ser preciso proteção, coisa de Deus, ele diz. Encontrou a biblioteca da escola durante o recreio nos dias de aula. Saia da sala antes de todo o mundo e corria para lá, fugindo dos algozes, onde certamente não iriam, já que podiam brigar no pátio e jogar bola à vontade.. Todos os dias Aharom seguia para seu bunker, a biblioteca. Lá começou a ler o que não estava prescrito por professores. Lá descobriu muitos mundos e sentiu a vocação: escritor.

Saiu do armário, embora a orientação fosse óbvia,  quando dois amigos se suicidaram por não suportar a pressão. Um, aos 16, atendeu ao pedido da mãe: "Prefiro um filho morto do que viado". Enforcou-se no quarto, uma hora antes de encontrar com Aharom e outros amigos para um cineminha em Brasília.

16 anos. Mesma idade que Aharom passou num concurso público para dar aulas. Ficou em segundo lugar, mas ganhou uma escola rural, longe, bem longe das filhas dos protegidos que ganharam escolas na cidade.

Chocado, revoltado, triste, Aharom se viu diante da realidade que seria toda a sua vida: ou fugia e vivia uma vida dupla e hipócrita, ou assumia a orientação sexual e seria feliz, à seu modo. Reuniu os amigos, se
posicionou e muitos o seguiram. Todos fomos ao enterro dele! To-dos, e dando pinta! A mãe teve que nos engolir! Até hoje seus olhos umedecem quando conta do amigo. O que acontece consigo, ele conta rindo. Ri muito. É de bem com a vida esse rapaz. Rir de si mesmo é um dom raro. Uma delícia de conviver, respostas rápidas e sem piedade.

Eu deveria ter horror à escola... no entanto, voltei. Dou aulas de língua portuguesa e literatura para alunos da quinta série. Escola pública. Paguei do meu bolso a única lousa digital da escola, e outro professor adaptou o pincel. Somos chiques, bem!

Aharom talvez não soubesse, mas voltar para escola tinha e tem um propósito: conscientizar pais e principalmente alunos sobre o horror do preconceito, acolher os adolescentes que não têm apoio em casa, os confusos adolescentes que não sabem à quem recorrer, não sabem o que fazer, com quem conversar.
Quando conta como são as conversas com pais de alunos, é delicioso. Sem papas na língua, já abandonou reunião de pais pra não falar coisa pior, já abaixou dedo indicador no seu nariz com a força da palavra e olhar no doubt.

Dar aulas é a missão de Aharom Avelino, ser roteirista de teatro, cinema,  novelas e minisséries, o sonho. Salvar vidas vítimas de bullyng não tem preço. Ensinar, não tem preço. Viver, não tem preço.

Aharom Avelino já viveu tão intensamente que às vezes parece ter mais histórias do que estrada percorrida. E é engraçado. Otimista. Autor de dois livros: Viver Não é Preciso e Não Existe Amor Errado, é um, combatente, merece ser visto, ouvido. Conhecido.

Guarde esse nome. Habituèe assíduo das redes sociais, não teme a exposição. Faz do humor e inteligência sua maior arma à favor da liberdade hoje, no Planalto Central. Amanhã, quem sabe? O mundo, por quê não?