terça-feira, 28 de agosto de 2012

Estudo Prático Sobre Relações Amorosas

É prático porque será rápido. Será rápido porque está tarde e não se deve perder uma ideia ou pensamento para o sono ou sonho que não será lembrado.
Depois de muito perguntar "por quê? por quê?", é bastante provável chegar à conclusões não necessariamente absolutas e verdadeiras, mas verdadeiras, absolutamente, sim. Verdadeiras.
Assim: existem duas fórmulas para que um relacionamento à dois seja forte e, com sorte, inesquecível. Talvez três. Estou em dúvida sobre a terceira. Mas convicta sobre as duas.
Número um: a mais sonhada e desejada desde que Adão precisou de Eva para educar os filhos que se mataram. Quando se tem muito, mas muito, muito carinho e atenção um pelo outro, é mágico. É um cuidando de um. Respeito, afeto e carinhos trocados a todo momento. Vai durar.
Outro é o oposto: quando se briga passionalmente, quando o indizível refluxa sem controle, quando as próprias dores tomam nome e forma e a paz é o reencontro, o abraço e o amor em dois num estado pós-desgaste que só encontra descano nos braços um do outro.
Duas formas opostas de amar inesquecivelmente.

A terceira é o proibido. Como "proibir" e "proibido" são emocionalmente controversos, tenho dúvidas. E sua história só é tatuada no imaginário, no que se pensa ser ou ter sido, no que se queria que fosse. Ou seja: não existe, não perdura na prática. Apenas no inconsciente platônico e assim será desde que não seja vivido. O proibido vivido pode ser o passional, o inesquecível, o um cuidando de um com as dores com nome e forma na paz do reencontro. O proibido vivido também pode ser a salvação e assim justificar-se, valorado como herói salvador de moralidades.

Quem sou eu para dizer essas coisas?
Uma, cuidando de uma. Expectando. Recalculando. Renomeando. E bebendo muito vinho esta noite.

sábado, 25 de agosto de 2012

A MULHER NUA - a xícara, a colherinha e o café

Redemoinhos. Talvez fosse um exagero definir assim os efeitos da colherinha na xícara de café. O líquido rodava, anyway. 
A espuma cor de creme se desfazendo a cada volta tornado-se café de novo. Tinha mania de observar coisas irrelevantes  - como a espuma, o café e a colherinha - e tentar tirar dali alguma grande ideia ou revelação. Ou por não haver nada mais interessante do que o irrelevante. 
Geralmente era assim. As vozes na praça de alimentação eram tantas e tão iguais que lembravam o templo budista onde "comemorou a vida" de seu pai um ano após sua partida. O oposto. O som do shopping era ácido, irritadiço. Uníssono, como o do templo, mas absoluta e definitivamente distinto deste. 
Mais do que o contrário um do outro. Enquanto o templo lhe trazia uma noite de verão de calmaria praiana e briza,  a perfeita conjunção de vozes formavam o "oooommmm" pacificador, calmante; os uníssonos da praça de alimentação eram afiados, desiguais, misturados, distintos e o som... o som era impronunciável. Uma tentativa forçada talvez trouxesse uma série de "aaaaaaaaasssaaaooiioaaaaa". Um grande "asssaioiiiaaa" que não significava nada. Até o bater de pratos, copos e talheres eram suprimidos por aquele som alto, irritante, frenético, apressado.

A xícara, o café e a colherinha deixavam de ser irrelevantes nesse cenário. Eram quase  salvação para a péssima escolha - ou falta dela - de estar na praça de alimentação de um dos shoppings mais movimentados da cidade mais movimentada do país para pensar no que tinha acabado de acontecer.

Lembrou de Leonardo: "as ruas tinham que ter caixas de som espalhadas em todos os postes! a vida tinha que ter trilha sonora!". Sorriu com ternura, discretamente, de sí para sí e para Leo e suas idéias e entusiasmo para transformar o mundo.
Tomar café sozinha num lugar daqueles...  Geralmente quando se decide ficar sozinho para pensar, o cenário é outro. Nos filmes e livros é outro. Neles funciona. Pelo menos nos filmes. Há Paris, Nova Iorque, uma grande janela fechada para a neve enquanto se balança a xícara com o líquido quente mirando a paisagem branca e gelada do lado de fora. Nos filmes alemães, pode-se sentar na sacada de casa, com toucas e luvas feitas à mão. E cachecóis. E polainas. Os sons dos carros são outros. Os pneus na neve fazem outro barulho e há as árvores que mudam o som ambiente.
Um golinho no café e já estava de volta ao shopping. Lá não fazia frio, nem calor. A temperatura era sempre "agradável". Se estava frio, no shopping era confortável. Se era calor o que sentiam os frequentadores do lado de fora, dentro era um alívio.
O dedo indicador tocou o biscoitinho ao lado do café. O preço do café teria a ver com o biscoitinho? Não... o condomínio, aluguel... Outra coisa que nunca imaginou que iria compreender: o outro lado. O lado de quem faz. Quem paga, quem emprega. Dane-se.
Não queria o biscoitinho. Não queria que o café acabasse. Queria sair dali. Pior não saber pra onde ir. Pior ver tanta gente aparentemente sem problemas, ou com os mesmos problemas, tanta gente e ninguém.
Shopping é o lugar com mais habitantes por metro quadrado ideal para se sentir só.
Pensou em ligar o celular, ver as últimas postagens, curtir algumas coisas. Mas aquilo, naquelas circunstâncias, lhe parecia o próprio shopping. Gente suficiente para sentir solidão quando não vai rolar a festa. Rede de relacionamentos sem relação com os sentimentos ou verdade. Nossa... que chatice. Mais um gole no café e pronto, a Rede de relacionamentos voltava a ser uma prática agradável. Claro que amigos só inbox ou pelo bom e velho e-mail... Alguém podia inventar o que falta: carinho na tecnologia.
Desistiu do celular na primeira frase de incentivo e lição de moral que viu compartilhada em seu mural. Se todos realmente seguissem o que espalham, talvez ela não tivesse que decidir ali, daquela forma, algo tão importante. Certamente, se Leonardo ainda houvesse, trocariam mensagens o tempo todo. Ouvi que saudade é atestado de que se viveu coisas boas. Acho que é mesmo.
O último gole. Uma xícara pequena para tantas intensões. Ao baixar a xícara vazia para o pires, olhou o biscoitinho. "aaaaiioooonaaaaaaaaioooaaaa". Já o estava mastigando enquanto caminhava de volta para o estacionamento. Nada como uma boa xícara de café num péssimo lugar para trazê-la de volta à realidade simplória e remodelar os problemas para os seus devidos tamanhos. Pelo menos por enquanto não havia mais nada para decidir.


25.08.2011

domingo, 19 de agosto de 2012

A MULHER NUA - (parte)


- 140?!!
A receita ali, ao lado do computador. A atendente  não parava de teclar. Os olhos fixos na tela.
- Cada caixa.
- !!
Pensou no barulho das máquinas de escrever.
- Posso conseguir um desconto pra senhora... deixa eu ver...
Massageou o rosto com as duas mãos, como no tempo que usava lentes de contato e não podia tocar nos olhos, lavando o rosto sem água. Teclava. Se fosse máquina de escrever a farmácia pareceria um cartório. Cartório de hoje já parece farmácia. Se fosse máquina de escrever não estaria na farmácia. Olhou para os lados e, vencida, segurou o rosto entre as mãos, os cotovelos no balcão. Máquina de escrever, farmácia, cartório... É. Talvez o remédio fosse necessário. Opinião médica. Já passava da 3ª., então não havia mais como resistir.
140 cada caixa. Dois comprimidos por dia, vezes  x comprimidos... 3 caixas.
Talvez devesse ir ao cartório. Ou à Bienal. Ou à Patagônia. Viu uma foto de sua tia na Patagônia. Todo o mundo diz que a Patagônia é linda. Talvez o dinheiro fosse melhor gasto.
- Em quantas vezes?
- 3, no cartão.
A carteira imensa se perdia na bolsa maior ainda, cheia de zíperes  e partições. O som agora vinha de uma TV fixada no alto da parede. Momentos decisivos de uma novela de  sucesso. Quando não olhavam para as telas do computador, era para a TV toda a atenção da farmácia. Melhor assim, o constrangimento de procurar a carteira por tanto tempo, ficaria entre ela e a bolsa enorme. A carteira que também tinha mais partes e zíperes e muitos, muitos cartões: de pizzaria, serviços, grandes ex-amigos. O que ainda faziam lá? Há tanto tempo não precisava daquele departamento da carteira. Decidiu: chega de teias e aranhas, chegando em casa, jogar tudo fora. Para dar espaço para coisas novas.
- A Sra. Faz um favor? Preenche o cadastro pra gente? Assim recebe nossas promoções!
Sobrinha de farmacêutico alemão e dono de loja árabe, promoção era coisa do tio do Oriente. É estranho, ainda é estranho. Tudo se transformando em loja de conveniência 24 horas: até farmácia. Pior se as promoções forem de remédios. Imaginando receber folhetos do tipo:  “mês da neosaldina! Leve duas e pague 3!”; “dipirona em liquidação: imperdível!”.

Estava difícil encaixar seus sentimentos naquela realidade. Difícil entender porque sofria tanto. Porque não dava de ombros à tudo e se isolava numa praia, na serra, vivendo com o som da natureza, poucos diálogos humanos e sendo amada por cães ou gatos que dão carinho em troca de nada. Claro, com um bom computador para não perder o contato com o mundo, e para que o mundo soubesse de sua vontade de ser ouvida, compreendida, reconhecida, ainda que preferisse um status à  lá Garbo. Talvez não preferisse. Talvez estivesse sendo empurrada para a solidão. Talvez entendesse melhor Greta Garbo agora, desglamourizando  a frase.  Era real, era sua vida também. “I want to be alone”. Como se já não estivesse. Talvez ela já estivesse sozinha.
- Vai em 3 mesmo, senhora?
Estranho ser chamada de senhora.
- Sim, por favor.
- (...)
- (...)
- Senhora?
- Sim?
- A senhora poderia me dar o cartão, por favor?
- Ah! Claro... desculpe.
- Imagine, senhora.
Senhora para mim era a Nossa Aparecida e minha mãe. Minhas tias, qualquer mulher que tivesse mais do que 30 anos quando eu tinha 10. Senhora hoje, no modo como as pessoas se tratam, é quase uma ofensa. Um cinismozinho básico. Melhor que “Tia”. Mas a moça do balcão nunca a iria chamar de “Tia”. “Vai em 3 mesmo, Tia?”. Nem no cartório. Só na rua. Nem na rua. Na rua era Madame, Colega, Chefia... tudo porque estava dentro deum carro. Dentro sempre de alguma coisa, ou de alguém. Queria estar do lado de fora. De alguma coisa e principalmente de alguém. Daí vinham as dores. E se abrisse a porta do carro, saísse? Economizaria quase 400. Não haveria mais dor, será?
Greta Garbo sabia das coisas. Muita gente sabia das coisas. E sabe. Por que eu não sei? Se perguntava enquanto levava a cestinha para o caixa. Deu uma espiada na novela, estava quente mesmo. E a chamaram de Senhora, cumpriram seu papel  no atendimento. Tudo certo.  O teclado, o “zuiim” da maquininha cuspindo um papel amarelo avisando que ela estava 400 mais pobre. O carro. O suspiro. O não querer ir e não ter opção. Ligou o rádio, mudou a estação. Ligou o carro e queria mudar o rumo. Fez a curva, atravessou o farol amarelo e seguiu pelo mesmo caminho que a levava todos os dias para dentro. Com 400 contos a menos na conta.


19.08.2011

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

ONONONONONONO