Um dos filmes mais marcantes sobre o fundo do poço, política e depressão
Imaginantes imagéticos como eu que assistiam aos faroestes e clássicos da sessão da tarde nos anos 70 e 80, viram muitos mocinhos sacarem seu revólver do coldre, apontar para seu parceiro preferido - o cavalo - deitado no chão, ferido, e com olhar quase impossível de compaixão e afeto para um verdadeiro cowboy, puxar o gatilho. O amigão, ferido, com a pata ou perna quebrada, não se recuperaria. Um cavalo deve ficar em pé. Morreria sofrendo, com dores e aos poucos. Chocados, víamos a fumaça sair da arma após o disparo. Não víamos o animal ser atingido e nenhum ruído vindo do "lado de baixo da tela", quando se dava a eutanásia para que o animal não morresse sofrendo. Apenas o rosto da mocinha virando de lado. E de alguma criança eventualmente presente para acabar de vez com a inocência.
They Shoot Horses... Eles matam cavalos. Quem são "eles"? A pergunta de todos os tempos e que em tempo nenhum se responde. A pergunta que quer calar, que tem e não tem resposta, especulação filosófica que continua viva. Pois, nesse delay que vivemos em relação à america de cima, eles ainda são os mesmos e vivem como seus pais. Eles e sua política ultrapassada pré-democratização da mídia ninja, calculam quais e quantas baixas deverão sofrer pelas batalhas conspiratórias e arrogantes na política. Eles escolhem quem vive e quem morre, quem come e quem passa fome, quem sonha e quem desiste. Eles são grandes e pequenos, poucos e muitos.
O filme de Sidney Pollack, They Shoot Horses, Don't Day?, que no Brasil ganhou o digestivo nove de "A Noite dos Desesperados" é mais um fruto soberbo da árvore dos anos 60 e 70. Soberbo. Em plena depressão dos anos 30, os Estados Unidos da América, assistiu à suicídios de milionários que perderam tudo, pulando da janela de seus escritórios em Wall Street, e ao desespero de mortais que deveriam ser o sustentáculo da sociedade no mundo das oportunidades, na terra dos sonhos. Mortais que sofreram o mesmo baque que os milionários, perdendo o que as mantinha de pé: não apenas o dinheiro, mas sonhos e objetivos. They Shoot Horses, Don't They? É um drama psicológico que merece ser estudado bem de perto. As semelhanças com a história da humanidade, as sutilezas ao apresentar as questões, o escracho ao mostrar a crueldade de iguais.
Jane Fonda e Michael Sarrazin, casal número...?
Desempregados, desalojados, famintos. O grande sem vergonha Charles Bukowsky viveu a infância da depressão. Seus livros, escritos na marginalidade, conservados em álcool barato e cigarros sem filtro e cuidado por putas mostram muito bem o que foi a depressão dos anos 30 na América do Norte. E mais uma vez a indústria da diversão e entretenimento se vale da desgraça alheia para promover grandes espetáculos, o grande circo.
No filme, para conseguir um pouco de comida, alojamento, banho e a fortuna de mil e quinhetntos dólares, os desesperados do título têm que vencer uma maratona de dança, onde o último casal que conseguir permanecer em pé - e dançando (sim, há requintes de crueldade quando em certa altura todos estão esgotados e são obrigados à superação física), vence o grande prêmio. Fiscais bem trajados, alimentados e descansados, circulando entre os participantes acusavam e retiravam da pista casais a qualquer sinal de quebra das regras. Dormir nos braços do parceiro, era uma.
As ações se passam no alojamento e na pista de dança. Nos alojamentos, o alívio de cinco ou dez minutos intercalados para que os concorrentes fizessem suas necessidades, lavassem o rosto, fumassem um cigarro, cochilassem.
Além da dança, os organizadores também promoviam corridas em volta da arena (gladiadores? pão? circo? sede de sangue alheio? curiosidade mórbida pela vida do outro?), e quem chegasse depois depois de determinada posição, também estaria desclassificado. Uma noite desesperada, realmente, desesperada.
Gig Young, o cruel e manipulador Rocky
Entre a ação principal - a maratona de dança - vamos conhecendo alguns personagens e todos merecem ganhar. E ganhar é sinônimo de viver com decência, recuperar a sanidade, voltar a sonhar. Um casal recém-casado, ela grávida, com um barrigão enorme, submetendo-se à todo o tipo de desgaste e desajuste, lutando pela sobrevivência. Um velho-moço marinheiro, animado, feliz, dizendo à todos que ganharia, que nunca se sentiu tão bem em toda a sua vida; uma aspirante à atriz, vaidosa, e o premiado Gig Young, o cruel organizador do evento, imperador da vida e da morte. Se não me engano, ganhador do Oscar de melhor ator coadjuvante de 1970. Quando o Oscar tinha importância política e social. E também concorreu e deve ter levado, me ajudem e pesquisem, Bafta, Globo de Ouro e outros prêmios de prestígio. Jane Fonda concorreu às estatuetas todas, como melhor atriz. Ao todo, só ao Oscar, "A Noite dos Desesperados" teve 9 indicações.
Entre Michael e Jane, o agonizante Red Buttons, o Marinheiro (Sailor)
Como destruir seres humanos sem fazer força, aproveitando a condição de fragilidade em que se encontram, usando do poder, do pequeno poder que se torna enorme diante da história de cada um. Assistimos no decorrer do filme a desconstrução de cada um, da unha quebrada da depressiva Gloria Beauty (Jane Fonda), à falta de descolorante para cabelos da aspirante à atriz.
Aos poucos a "arena" vai se transformando num amontoado de corpos se arrastando como zumbis gerando notícias espetaculares para jornais e um grande espetáculo para o público que pagou para ver, assistir de camarote a miséria humana. Alguém já falou de gladiaores e arenas e leões e imperadores e....?
Da falta de descolorante para os cabelos da aspirante à atriz, para o grito de Jane Fonda sem poder desistir, carregando um homem morto nas costas durante umas das "brincadeiras" da maratona.
Engraçado que de uma maneira ou de outra, é um pedido de piedade que ainda fazemos, sem sucesso: tende piedade de mim. Tende piedade de nós.
THEY SHOOT HORSES, DON'T THEY? - A Noite dos Desesperados
Gênero: Drama
Duração: 120 minutos
Ano de Lançamento: 1969
Direção: Sidney Pollack
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