quarta-feira, 17 de outubro de 2012

MURRO EM PONTA DE FACA

É desse ator extraordinário; pessoa inigualável; pensador corajoso, respeitado com o qual a amizade ainda que tênue me transborda de orgulho, Juca de Oliveira a peça: "Às Favas Com os Escrúpulos"  que me inspirou a escrever e... às favas com os julgamentos! Às favas com você!

Sou fã incontestável dos nossos artistas e intelectuais corajosos por várias razões, mas a principal delas é o meu comedimento. Quando leio, assisto, vejo, ouço o que gostaria de dizer e não disse e outras atitudes à menos, é quase uma diáspora entre eu e eu mesma: grito com o punho cerrado: "isso!", e também abaixo os braços e murmuro: "por quê eu não disse isso?". Ou: "por quê não estava lá?",  ou tantos outros porquês que fazem da frustração um sentimento irritadiço, desconfortável. Não me acho, me perco entre tudo o que podia ser. E, acredite, foi preciso muita coragem para registrar isso aqui, em público.

Admiro, admiro, admiro, sim! E por isso busco saber sempre mais e melhor do que sei, conhecer, atravessar, trocar, partilhar. Nesses momentos lembro que já fiz e fui "combatente da verdade", defendendo com unhas e dentes um partido que vi nascer, chorando com as histórias da repressão que livros lisérgicos como "Sangue de Coca-Cola" de Roberto Drummond impregnavam em mim. Ao mesmo tempo que escrevia roteiros de cinema, desenhava personagens e sentia cheiro de acetato e tapadeiras e tintas látex e outros aromas que me davam a certeza de que seria uma voz importante naquele futuro próximo. Como eu amava  o que fazia! Como eu amava o que eu era e "tudo o que podia ser sem medo"! Eu me amava. Sério.
Tão certo quanto dois e dois são quatro, meus filmes dariam o que falar... meus livros polêmicos gerariam novos roteiros e eu assistia novelas e séries pasteurizadas como nunca. Como nunca fui radical. Como nunca. Como nunca senti tanto prazer em ser. E não ser. Nessa época além de me amar, eu estava amando, como acho que também nunca mais amei na vida. Claro, isso só se descobre depois de um tempo. Sei lá porquê. Ou sei, mas isso são outras favas.
Hoje, quando já vivi mais do que aparentemente vou viver daqui pra frente, dá um aperto no peito! As histórias que se passaram e mudaram meu suposto destino incontestável penderam mais para Janete Clair do que Goddard. Ah, mon coeur, nunca é tarde para recomeçar! Claro que não. Principalmente no Brasil. Nunca é tarde pra nada quando você tem seus 25 anos. Pior é saber que o tempo que foi preciso para costurar os furos nas meias poderá fazer falta daqui em diante. Pior é estar resoluta e viver nesse paradoxo entre o que SEI e QUERO fazer e não dar um passo porque La Clair ainda ronda meus caminhos. Tenho orgulho dela também. Do que fez. Gosto de tudo o que gosto, não me importa rótulo ou fórmulas. Gosto e gosto de gostar. Lembro de um filme que contava a história de três mulheres que deram um chega pra lá na vida e foram se encontrar. Uma delas deixou a filha pequena com o marido e foi, simplesmente foi. Minha filha não é mais pequena. Quando era jamais pensei em ir. Agora, não sei... ela parece tão forte e ao mesmo tempo tão precisada... Filha de pais diferentes, uma linda garota de personalidade e capacidade de observar a vida com sensibilidade à flor da pele. E sabe pregar pregos! Eu entorto todos.
Falando em filmes, é como se estivesse no meio da ponte de "A Felicidade Não Se Compra" (It's a Wonderful Life - Frank Capra, 1946)  mas com outra intensão: escolher para qual lado caminhar. Esperando um anjo atrapalhado salvar minha vida com um simples: "vem pra cá!". O que esperar quando você está esperando? O tempo passar, minha filha... (eu li o livro, sim. E vem filme por aí).
A coragem pelo menos está voltando. Já não estou tão contida como antes e preciso me segurar para não dizer o certo na hora errada. 
Agora, saber o que pode dar certo, saber fazer, saber o que vai acontecer, ter experiência e vivência suficiente para discernir o prestígio do jocoso e não poder, é mais uma vez na vida dar murro em ponta de faca. It's killing me!
Esse é o meu dilema atual. O que tem me tirado o sono. O que não me deixa escrever e que tampa a fluidez das idéias. O grande ataque das formigas gigantes assassinas prestes à acontecer e poucos acreditarem que um torrão de açúcar pode acabar com a formiga rainha mãe (existe isso? se não, é uma boa idéia para um trash) e assim salvar a humanidade de dentro da tela.
Preciso criar.
Preciso fazer a verdade.
A Volta da Graúna - Henfil (Geração Editorial, 2003)