quarta-feira, 15 de julho de 2009
ENSAIO SOBRE COMPROMETIMENTO
(Repostado do original em 17 de setembro de 2008)
Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem"
trecho do livro "Ensaio Sobre a Cegueira", do ganhador do Prêmio Nobel José Saramago
Desde que me propus à observar mais atentamente o círculo à minha volta (e ele anda comigo onde quer que eu vá, mutante), que faço tudo à pé.
Estou numa região que permite isso, Avenida Paulista. Vou em todas as direções, já desbravei quase todos os cruzamentos, da Consolação à Vila Mariana. Revi endereços da minha infância e suas modificações.
Meus médicos são todos por aqui (chic! "meus médicos"...), laboratórios também, o que me possibilita caminhar bastante.
Numa dessas voltas de médicos ou laboratórios, me vi em frente ao cine Belas Artes, hoje HSBC Belas Artes. Admirando os pôsteres, entrei perplexa com a quantidade de salas e filmes em cartaz. No meu tempo - vocês lerão muitas vezes esse "no meu tempo" - eram quatro salas, antes do incêndio. Sim, o Belas Artes já pegou fogo e quase deixou de existir. Lá eu assisti filmes belíssimos, sozinha. Eu, o filme e meus pensamentos.
Eram quatro e quinze da tarde e vi que Ensaio Sobre a Cegueira começaria dali 5 minutos. No dia anterior havia lido uma entrevista com Fernando Meireles e queria ver o filme. Comprei o ingresso e depois de um longo e tenebroso inverno, fui ao cinema sozinha, e - melhor - no meio da tarde.
Foi muito bom. Em todos os aspectos.
O filme é fortíssimo, denso. Adoro Julianne Moore, Danny Glover, Gael Garcia Bernal e particularmente Mark Ruffalo, cujo trabalho acompanho com admiração. Mas não quero falar do filme, e sim sobre o descortinamento provocado por ele, naquele dia, naqueles momentos.
Motivada pela densidade blasé da personagem de Jualianne Moore, saí do cinema com uma palavra na cabeça: comprometimento. Conforme caminhava, a palavra ganhava irmãs, formando frases: "falta de comprometimento", "medo de comprometimento"...
A maioria das pessoas não se compromete. Me parece que suportam compromissos já assumidos, como um casamento ou família, ou outros obrigatórios como um emprego,este com a ilusão de que podemos deixar o "fardo" quando quisermos.
Não há compromisso real. Envolvimento.
E se não há envolvimento, não há amor. Se você suporta seu emprego, ou "empurra" suas funções, ou ainda dança conforme a música, você não ama o que faz. E quem quer amar o trabalho?
Eu amo o que faço. Seja lá o que estiver fazendo, estou sempre apaixonada.
E amando consegui realizações que guardarei comigo sempre. Veja bem, realizações não significam cargos e salários, mas momentos raros, ímpares, que ajudaram a formar o que sou.
Trabalhar com amor torna tudo possível, realizável, bonito, alegre.
Como a única a enchergar num mundo de cegos, Juliane Moore, com um poder momentâneo incalculável, guia-se e guia os outros pela ética do amor, formando uma família renascida da degradação e horror humanos.
À propósito, gostei do filme.
Namastê!
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