segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Azul é A Cor Mais Quente


Quase diria Shakespeare: Mutch about almost nothing.

Atenção: Spoilers à vista


Almost nothing. observações sobre cenas de sexo "intermináveis" e outras críticas que qualquer filme não-convencional (é tão convencional descrevê-lo assim!) gera nesse vai e vem moral e cívico que são as regras que ungem os bons costumes em nome de uma organização social inexistente.
Trata-se de abrir ou fechar armários, empurrar para debaixo do tapete ou deixar à mostra, desembrulhar o pacote camuflado ou assumir o objeto estranho em casa. E toda vez que se fala ou ousa mostrar a realidade, opiniões controvertidas, invertidas e voyeristas tomam conta dos curiosos que acham um atrevimento perguntar claramente para amigos, conhecidos o que querem saber. É preciso um filme, um livro, uma história de preferência premiada e de bem com a crítica para libertar as dúvidas dos curiosos e interessados no assunto. Quando o assunto é sexualidade... ah, a sexualidade! Se Wilde dizia em tons de cinza : Definir é Limitar, Azul é a Cor Mais Quente é o filme que traduz a frase atualmente.



Continuo achando abomináveis cenas de babás batendo em crianças, cuidadores torturando velhinhos, torcedores de futebol chutando a cabeça de um quase-morto como uma bola que bate e rebate; as filas imensas nos postos de saúde, a falta de remédios o lobby das indústrias farmacêuticas, os horrores da guerra; a fome na África, no mundo, a tortura, a mentira. Nada pode ser mais deplorável do que essas crias sociais e financeiras criadas pelo ser humano. Nada. Muito menos cenas de amor. Menos ainda, amor e sexo. Sexo e amor.

Talvez Léa Seydoux tenha sido precipitada ao criticar Abdellatif Kechiche. Precipitada, não. Pela atuação no filme, muito foi exigido, e o desconforto, o cansaço, a entrega dessa forma deve ter-lhe pedido a conta. Extasiada, exigida, usada. Está explícito nas cenas e na forma como foi filmado, na densidade da história que deve ter sido muito difícil realizar esse trabalho. Muita entrega emocional. Extenuante. E, apesar da Léa afirmar que se sentiu uma prostituta nas cenas de sexo, acredito que ninguém foi mais exigido do que Adèle Exarchopoulos em seu primeiro papel como protagonista.  Léa não quer falar mais nisso, já disse o que disse e voltar atrás não é bom negócio para quem está ascendendo na carreira, tendo filmado com Woody Allen, inclusive.

Na época, com 18 anos, Adèle Exarchopoulos  faz o papel de uma garota de 15. E deu conta do recado soberbamente. Habdellatiff chegou a dizer que estava arrependido de lançar o filme, porque as críticas de Léa haviam maculado o trabalho que não deveria ser lembrado por isso. O cara deve ser difícil mesmo. Com esse resultado denso, Abdellatif deve ser o bicho.
Ambas as atrizes queixaram-se de cenas filmadas dezenas de vezes, centenas. Cenas que duraram dois, tres dias até que o Diretor ficasse satisfeito. Guardadas as devidas e bem devidas,  Hitchcock fazia com que os atores se contorcessem tal qual malabares para que o enquadramento que ele queria fosse captado.

 Neste caso, Emma, Emma, Emma, cada um com seus métodos.

O fato é: se o Diretor queria atingir o público comum, banalizar o sexo homossexual como falou, conseguiu.
O sexo faz parte do filme, cenas como outras, de entrega como olhares tão intensos quanto. Sofrimento tão forte quanto. Há outras cenas intermináveis de cinco, seis, sete minutos que não têm sequer um beijo.

Trata-se de um filme belíssimo sendo reduzido a controvérsias e especulações: como foram as cenas de sexo? Como o diretor foi duro? Como as atrizes se sentiram? Adèle, a atriz, diz que isso aborrece, enfraquece a história, o trabalho como um todo. O filme é muito bom.. E precisa de 3 horas de intensiva  realidade para fazer com que o expectador perceba, sinta e sofra  a história de Adèle. Uma história comum, densa sobre a descoberta do amor  adolescente por uma pessoa do mesmo gênero. Difícil de a própria aceitar e assimilar. Seus medos e desejo incontrolável nos fazem sentir adolescentes novamente.
Adèle, a personagem, é comovente. A busca, o encontro, o amor, a felicidade, a solidão, o início, o fim. E de adolescentes, crescemos e vimos a vida amadurecer novamente. Como sofre, Adèle. E como não lhe importa sofrer com Emma.

Adéle é uma menina comum, que tem em sua primeira relação homossexual a paixão de sua vida, cresce e tem os seus quereres e estares sempre a fim o que é dela tão desigual. Uma menina que come macarronada, e lanches assistindo televisão com os pais. Não conhece e por isso não gosta de comidas sofisticadas e vinhos e artes, que só sabe de Picasso e não muito, e quer ser professora,  profissão visivelmente desdenhadas pelos amigos das Belas Artes de Emma, e também por Emma, que insiste que Adèle escreva, seja escritora, intelectual, artistas como seus amigos. Quer ser mãe, amar e ser amada.

Adèle chora. Uma lágrima escorrega pelo rosto rubro em seu repouso após o amor.  E aí a pergunta que mesmo respondida não é compreendida: Por quê as mulheres choram depois que fazem amor?  Amor. Como diz mais ou menos assim um personagem do filme, um homem: "O prazer da mulher é diferente, é infinitamente melhor do que o dos homens... dá para perceber em seus rostos, no seu comportamento".

Em quase todas as cenas de festas com Emma, há filosofandos e discussões sobre arte e expressão e vida.
Adèle, deslocada, só sabe amar e não entende do que falam.

A cena da briga é angustiante. Adèle em desespero, agarrando-se ao que é a sua vida naquele instante: Emma. Emma expulsando Adèle de casa ao gritos. Adèle chorando o abandono, a falta de chão, o não sei para onde ir nem o que fazer sem o amor de uma vida inteira. Neste ponto do filme, Adèle já não é adolescente. É mulher, madura, com seus 20 anos, provavelmente.

Essa menina trabalha muito bem. Passa o desespero em cada soluço chorado andando a esmo pela madrugada. Nesse momento, risos de histeria na platéia. Risos altos. Eu não entendo. Deduzo que devem ser de nervoso, histeria.

Anos se passam após o fim do relacionamento. Adèle sofre. Sorri e chora escondido. Chora na janela, chora na sala de aula quando os alunos vão embora. Adèle deixa de sorrir. Reencontra Emma casada com outra mulher, com uma família. A vida continua.

Azul é a Cor Mais Quente é um excelente filme. Enquadramentos fechados, planos apertados como que buscando a verdade nos olhares, nos gestos.  Saí do cinema com pena de Adèle, torcendo por ela. Com pena pelo fim de uma história de amor que vi ser construída ao longo das 3 horas de exibição.
Fiquei compadecida pela constatação de a vida como ela é. Porque sempre torço por finais felizes.
E o final que Abdelatiff nos dá é crú. Ces't la vie.





2 comentários:

Anônimo disse...

Achei perfeita a sua crítica sobre o filme! Assisti essa semana o filme com uma amiga e por ter uma cabeça pequena, ela ficou julgando o filme todo o tempo de exibição. Não sou lésbica e, no entanto, estou apaixonada pela história. Achei impressionante a intensidade com que o diretor focou nos olhares de Emma e Adèle! Foi um linda historia de amor que acabou de uma maneira bem realística. Admito que me deixou aborrecida o fato de não ser um final feliz, mas me agradou a veracidade do final...

Carmen Farão disse...

Obrigada por participar, Anônimo(a). É muito bom debater ideias!

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