segunda-feira, 7 de abril de 2014

Se lhe Parece

Muitas vezes já me desencontrei dos habitantes desse mundo. Achei que não fazia parte dele. Antes mesmo de entender regras sociais, já desconfiava dos nãos e proibidos ensinados por uma mãe machista, dona de casa e extremamente adorável. Daquelas que sujava o avental de ovo, que deixava um bolo sempre quentinho e cozinhava de saia xadrez e saltinho scarpin quando éramos crianças. Fazia tudo pelos filhos e marido, uma mulher e esposa exemplar. Amor nunca me faltou. Cuidado, carinho e brincadeiras também não. Ela era toda filhos. Toda família.

Mas não parecia ser da minha espécie. Eu sabia que diante de tal situação a resposta deveria ser "não", apesar de não sentir assim. E percebia que muitos "nãos" tinham tudo a ver com o mundo que ela pertencia e que deveriam ser mais, deveriam ser NUNCA. Graças, seus "nãos" me salvaram de muitos apuros, causas que poderiam ser perdidas. Ela me ensinou a viver neste mundo muito bem.

O problema era conhecer este mundo e conflitar com quase tudo. Em plena guerra fria, dentro e fora de casa, tudo era meio de viés. As poesias, os jornais, as conversas, o pode e não pode. Tinha primeiro de abril que éramos obrigados a cantar o hino nacional da escola. Tinha primeiro de abril que não se podia sequer comentar o assunto. Proibido.

Na verdade, minha relutância com os nãos vinham da falta do "sim". Tinha pouco sim na minha infância, pouco sim na adolescência. Em contrapartida, nessa época, transgredir era uma delícia.

Fazer escondido o proibido que hoje é vendido em loja de conveniência, era muito, mas muito mais definitivo. Era a nossa tatuagem. Ficava tatuado, marcado para sempre dentro do corpo. E nos identificávamos, os zuretas.

Graças à Deus, conforme o tempo foi passando, descobri que há muitos, muitos diferentes iguais. Meu primeiro grande amor, meu namoradinho, me respondeu:"eu também sou diferente, não penso como eles querem que eu pense". Amor. Tenho vontade de falar com ele até hoje, saber como está, se sucumbiu ao sistema...

Meu segundo grande amor sucumbiu ao sistema que eu sei. Mas antes disso foi um espetáculo, fizemos história um na vida do outro.

Meu terceiro grande amor também era um transgressor e continua a ser. Sensibilíssimo, de sentimento e mãos delicadas, um gênio. Continua sendo um grande homem delicado, genial, fiel às suas loucuras internais, maiores que as minhas. Admirável.

Meus amigos nunca foram desse planeta. graças!
Com todos eu podia conversar sobre qualquer coisa.

Era a época. Época fértil e boa, boa fornada de pessoas. Onde tudo era melhor definido. O bem era o bem e o mal era o mal e ambos convivendo dentro de nós, cabendo a nós controlar os ânimos e escolher qual o lado era nosso de fato.,

Tantos filmes e frutos naquela época que não consigo, confesso, deixar de pensar nas mudanças.

Homem usar brinco era um escândalo. Quando vejo alargadores tamanho 15, 20 e corpos lindos tatuados, me encontro lá nos anos 70, onde provavelmente teria me perdido no Marrocos, Índia ou Barcelona, trabalharia em Londres e filosofaria em Paris voltando ao Brasil com marcas pelo corpo, alma e mente.

Não me vanglorio do que digo, não acho que seja vantagem. Mas quero ainda fazer parte do paraíso onde vivem as pessoas que admiro. Quero fazer parte dele, quero chegar e procurar o meu lugar.

O problema é que meus heróis estão indo pra festa no céu. Chego até a pensar, pelo rumo que minha vida tomou, que minha felicidade esteja lá, no céu.

Quando o dia chegar... ah... quando chegar!


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